terça-feira, julho 03, 2007

Subdesenvolvimento: uma teoria

Retornamos!

Por diversos motivos (alguns deles não tão nobres) ficamos afastados do blog por algum tempo. No entanto, agora que já dedicamos a pequena parcela de tempo anual necessária para manter nosso Estado funcionando de maneira impecável - como, aliás, sempre funcionou, coisa que todo brasileiro sabe! - vamos voltar a publicar textos.

Sinceramente,

-Carta Liberal



A procura por motivos para o baixo nível de desenvolvimento de várias sociedades do planeta movimenta um número incrível de intelectuais. Eles se dividiram em grupos, cada um deles com uma “grande teoria” geral para explicar o fato de certas regiões apresentarem uma economia mais produtiva, uma expectativa de vida mais alta, uma população que desfruta de uma vida mais confortável.

Defender ou criticar uma ou mais dessas “escolas” não é o objetivo aqui.

A grande maioria dos fatores relevantes para o nível de “desenvolvimento” de uma sociedade está nessa própria sociedade, isto é, são as próprias pessoas que constroem a “fundação” sobre a qual viverão. Sua atividade produtiva cria o que o grupo de pessoas em questão usará. Por definição, a atividade de um indivíduo dentro da referida sociedade interessa a alguém: ou ele mesmo, ou outras pessoas.

Nos primórdios, acredita-se que cada pessoa – ou, pelo menos, cada tribo – era subsistente: retiravam eles mesmos da natureza tudo o que era necessário ou agradável. À medida que a civilização prosperava, os indivíduos começaram a se especializar e realizar trocas. Assim, a quantidade de bens necessários à subsistência aumentou, e muitos puderam se especializar em outras atividades que não estavam diretamente relacionadas à produção de necessidades básicas.

Esse é um momento interessante na história da civilização: a hora em que os produtores passaram a sustentar “acessórios” à sua atividade. Note que essa é uma visão diferente da que boa parte dos membros das sociedades modernas adotam: na atualidade, muitos dos que fazem parte diretamente do processo produtivo são vistos como indivíduos de “segunda classe”. No entanto, eles sempre serão necessários, e por isso são aqui considerados como “primários”.
A civilização continuou a se tornar mais complexa com o passar do tempo, e as atividades se diversificaram. Muitas delas foram se distanciando da produção primária até se tornarem praticamente alheias a esta. Como maior exemplo temos os intelectuais: indivíduos que se dedicam à reflexão e ao debate em torno de temas freqüentemente muito distantes do “mundo real”.


Este é o ponto ao qual queríamos chegar. Como dissemos, tudo o que uma sociedade produz, obviamente, deve ser fruto do esforço de algum(ns) membro(s) dessa sociedade – sendo que esses frutos não são necessariamente palpáveis. A valorização de uma atividade, portanto, é crucial para que o produto dela seja mais abundante e de maior qualidade.
Através da história, a cultura humana passou por um processo de diferenciação de tirar o fôlego, com a formação de uma míriade de formas de pensar. Algumas delas valorizavam o valor do guerreiro; outras, o refino intelectual; e outras, a produtividade. Que fique claro: cada indivíduo tem sua própria forma de pensar, que de maneira alguma está acorrentada à dos demais que o rodeiam, e que pode variar de muito mais maneiras do que simplesmente qual aspecto da vida ela mais valoriza.

No entanto, via de regra, podemos assumir que uma sociedade tem uma cultura relativamente homogênea. Com o surgimento do Estado, aqueles com maior influência passaram a ter poder – pela força – sobre os outros, freqüentemente acompanhado de uma justificativa, e passaram a artificialmente manipular a alocação de recursos da forma que mais agradasse o grupo. É notável como os produtores foram capazes de sustentar sociedades onde grande parte dos indivíduos se dedicava a atividades secundárias.

Tomando como exemplo Portugal, a sociedade que em grande parte deu origem à nossa, observamos uma fortíssima tendência à valorização da jurisprudência, da política, da escrita, etc., e aqueles que “punham a mão na massa” eram geralmente vistos como indivíduos de pouco valor. Apesar de isso ser regra em grande parte das sociedades, e tem sido há um bom tempo, a portuguesa em particular mostra uma forte tendência da nata da sociedade para atividades mais intelectualizadas.

Entre os personagens notáveis da História portuguesa, ouvimos falar de pouquíssimos empreendedores, engenheiros, inventores e etc. E enqüanto muitos consideram outras culturas hoje mais desenvolvidas como sendo intelectualmente pobres em relação à portuguesa há alguns séculos, os indivíduos notáveis daquelas sociedades estavam com sua atenção voltada à exploração, ao comércio, à expansão da atividade produtiva; e mesmo muitos dos intelectuais delas ganhavam seu pão de uma maneira bastante pragmática.

Essa tendência se acentua fortemente ao chegarmos ao século XIX: enquanto no Norte hoje desenvolvido a sociedade industrial explodia com novas idéias, a ciência caminhava a passos largos, e a qualidade de vida aumentava entre os setores menos avantajados, nos países latinos em grande parte se verifica uma persistência no modelo do intelectual glorioso: todos os indivíduos que se prezavam eram escritores, “homens públicos”, juízes afamados, escreviam artigos sofisticados em jornais. Não por acaso, as sociedades que seguiram este último modelo parecem ter perdido o trem da História.

Na África, vários povos pertencem a uma cultura de valorização do guerreiro; muitos indivíduos se especializam em participar de conflitos. Apesar de ter sido assim por eras, as sociedades hoje consideradas mais evoluídas arregalam os olhos quando tomam consciência dos horrores que a população daquele continente atravessa – horrores muitas vezes criados pelos próprios povos e líderes da região.

É comum culpar o imperialismo europeu pelo estado deplorável da África atual, mas devemos lembrar que a fragmentação européia da África, quando muito, apenas piorou o quadro: os africanos são guerreiros por sua cultura, e os clãs africanos têm Um grande objetivo: subjugar seus oponentes. Apesar de serem militarmente fracos devido às características da guerra moderna, em que tecnologia e tática contam muito mais do que ferocidade e astúcia, muitos africanos se tornaram grandes guerreiros, que seriam respeitados e temidos, por exemplo, na Europa medieval. Isso porque o status de guerreiro garante prestígio na sociedade africana.

Tudo isso não significa, de maneira alguma, que intelectuais e guerreiros são seres inúteis que devem ser desprezados por aqueles que realmente fazem parte do processo produtivo. Como foi dito, os indivíduos que são acessórios ao processo produtivo primário estão realizando suas atividades porque alguém as valoriza. Um ator, um historiador, um crítico literário realizam seu trabalho porque ele interessa a alguém. A questão que se levanta é: a quem?

Muitos políticos, imbuídos como estão com o poder de direcionar boa parte dos recursos da sociedade para onde bem entenderem, os direcionam para setores que, sem a ajuda estatal, simplesmente não existiriam ou não teriam o tamanho que têm. Apesar de o Estado ser – e isso não é unânime – necessário para redirecionar recursos para certos fins públicos importantes, é preciso ter em mente que o papel do Estado não é dirigir a sociedade para onde achar melhor através da redistribuição forçada de recursos, mas sim criar condições para que cada indivíduo possa realizar a atividade que ele julgar adequada, sem prejudicar a liberdade alheia.

Lembremos também que, se 100% dos indivíduos desejam ser historiadores, nem todos eles poderão sê-lo: afinal de contas, também é necessário comer, vestir, construir, se divertir. O fator que define a alocação de indivíduos em determinada atividade não deve ser a vontade do próprio indivíduo, mas sim a procura que existe por alguém que realize tal atividade. Em outr
as palavras, seria ótimo se cada um de nós pudesse ser o que bem entendesse, mas, ainda pior do que ser algo que não se deseja é forçar alguém a trabalhar por algo que não deseja.

Quando o Estado realoca recursos arbitrariamente, existe uma grande chance de ele estar destruindo a ordem natural e desejável das relações voluntárias que existe entre as várias atividades de uma sociedade. Essa redistribuição através da coerção, quando generalizada, indica que grande parte da riqueza gerada por uma sociedade está sendo canalizada para fins que muito provavelmente não gerarão riqueza, pois de outra forma não necessitariam dessa intervenção arbitrária.