domingo, setembro 23, 2007

O Brasil e a escolha

Bem diz o ditador popular, “a liberdade de alguém termina onde começa a do outro”. Sem dúvida uma afirmação difícil de negar sob um ponto de vista de respeito à liberdade de cada um. O Brasil, ao longo de sua história, tem se mostrado até certo ponto uma sociedade mais tolerante em relação à vontade dos indivíduos do que muitas outras. Até mesmo durante os períodos mais negros de nossa história houve algum espaço, mesmo que limitado, aos vais e vens de cada um.

No entanto, será que a crença dos brasileiros em sua própria “brasilidade” é bem fundamentada? Lembramos inúmeras vezes aqui que a cultura, não só brasileira, mas latino-americana em geral, é baseada no patrimonialismo estatista, camuflado atualmente por um ódio ao lucro e preocupação com o “público”. Na prática, o Estado é tão importante para os brasileiros porque todos podem imaginar um jeito de tirar vantagem dele. Uma mera fofoca acaba, com uma freqüência alarmante, em uma sugestão de como o governo deveria interferir no alvo da conversa para endireitá-lo – segundo, é claro, a visão daqueles que conversam.

A responsabilidade do Estado na mente dos brasileiros é tamanha que qualquer desgraça, coletiva ou pessoal, se transforma em uma falha do governo. Paralelamente, boa parte do tempo de funcionários do Estado é gasto atribuindo culpa a outras pessoas, outros departamentos, outras instituições. Visto como a única estrutura supostamente incorrupta, a responsabilidade de trazer perfeição e justiça ao dia-a-dia torna-se uma responsabilidade do Estado. Irônica – e até tragicamente – o Estado assumiu a responsabilidade de prover fundos até mesmo para Organizações Não-Governamentais. O acúmulo de poder e responsabilidades nas mãos desse Leviatã estatal tem trazido mais ineficiência, injustiça e imperfeição do que o contrário.

E enquanto isso, a imensa maioria da população continua vendo o problema – pois parece óbvio que há um problema, muito profundo, na sociedade brasileira – como algo intrinsecamente ligado às pessoas responsáveis pelo funcionamento do Estado. Na visão de muitos, não há um problema estrutural, institucional – mas sim má vontade daqueles: os políticos precisam parar de roubar, os burocratas precisam trabalhar mais, os impostos precisam ser melhor distribuídos... É desconfortavelmente raro ouvir alguém citar a necessidade urgente de reformas estruturais, e alarmante a dificuldade que muitos apresentam em ao menos compreender essa argumentação liberal. O Estado onipresente está tão incrustado nos brasileiros que uma grande parte deles parece apresentar uma resistência quase biológica à idéia de viver sem a tutela daquele.

Os brasileiros, que em muitos casos se orgulham de serem mais “maleáveis” do que os estrangeiros, precisam levar esse aspecto mais a sério: muito da responsabilidade de construir uma sociedade melhor repousa não sobre os ombros do Deus Estado, mas sobre os de indivíduos comuns. Liberdade de escolha e estatismo são duas coisas que não combinam, e todos nós podemos ver ao que isso leva: à “malandragem” tão típica do país, à liberdade sem responsabilidade. As regras devem ser poucas e claras, dizerem respeito apenas às relações inter-individuais, e valerem para todos, sem exceção, as infrações sendo punidas exemplarmente pelo Estado e pela sociedade.

Qualquer liberal reconhece a quantidade intimidadora de esforço que precisa ser empregado para consertar esse aspecto da cultura brasileira. Definitivamente, a solução não é alcançar o poder e promover uma mudança radical nas leis: como sabemos, a idéia de que canetadas resolvem problemas com perfeição felizmente não faz parte da doutrina liberal. O processo, se vier a ocorrer, será gradual e deverá se espalhar pela sociedade não como uma nova lei entre a míriade de absurdos que é nosso Código Legal, mas como um estado de espírito. Precisamos todos ter em mente que a soberania reside nos cidadãos, e não no Estado.

Apenas quando o brasileiro médio visualizar a sociedade não como uma entidade viva representada por um corpo palpável, mas como um meio de interação entre milhões de indivíduos que interagem uns com os outros voluntariamente seguindo regras e costumes, é que teremos certeza de que estamos no caminho certo.

domingo, agosto 12, 2007

As Crias do Comunismo

O século XX foi marcado por grandes eventos, cada um deles causado pelo anterior. Nessa era de mudanças, um período que se destacou foi a Guerra Fria. Conseqüência direta do fim das grandes guerras, a Guerra Fria foi protagonizada pelas duas grandes potências da época: Estados Unidos e União Soviética. Os Estados Unidos era um país que mantinha um regime democrático havia séculos, no qual as pessoas manifestavam seus interesses pela voz dos políticos. Em contrapartida, a União Soviética fora criada no século XX, resultado de um conturbado processo político no qual o Estado passou a concentrar todos os poderes, negando representação à maioria de seus habitantes. Foi um período negro na história de muitos russos, e ainda hoje vários relutam em lembrar esse passado, mesmo que infelizmente ainda existam muitos outros que gostariam de voltar ao passado soviético. Durante a Guerra Fria, ambas potências competiam por influência ao redor do globo com todas as armas que dispunham, o que resultou na “conversão” de alguns países tipicamente capitalistas em socialistas, e na popularização da ideologia comunista ao redor do globo. Mas o regime soviético da Rússia não conseguiu viver sob seu próprio projeto econômico, e acabou sendo forçado a fazer reformas que iam contra sua ideologia, culminando com seu próprio fim, em 1991.

Hoje vivemos uma nova era, na qual o medo não impera. Mas a União Soviética deixou suas crias pelo mundo, na forma de partidos de extrema esquerda, regimes agressivos e autocráticos, jurássicos movimentos “revolucionários”, e toda a ideologia antiglobalização e antiprogresso que é passada à juventude logo nas escolas. Tudo isso sobrevive com base numa paranóia que põe arreios nas pessoas que seguem tais ideologias. A idéia deste texto é justamente provar que essa ideologia não faz mais sentido nos tempos atuais, se é que um dia chegou a fazer sentido.

Dentre os regimes que tiveram origem no comunismo soviético, Cuba é um dos mais clássicos. Cuba é uma ilha no Caribe que sofreu uma revolução no final dos anos 50, e que foi posteriormente influenciada pelos ideais socialistas soviéticos, já nos anos 60. Desde então, Castro e seus comparsas arrastaram Cuba por uma longa jornada rumo à estupidez, estatizando a grande maioria das empresas e condenando ao paredón várias pessoas acusadas de “trair” o movimento; tal repressão eventualmente levou à formação da comunidade de refugiados cubanos na Flórida.

Por volta dos anos 70, Canadá e México quebraram o embargo contra Cuba, alegando tentar incentivar o liberalismo em Cuba, continuando com o intercâmbio cultural e econômico de outrora, mas de nada adiantou, pois a cúpula comunista não desiste do poder do mesmo jeito que um cão não larga seu osso. Nos anos 90, com a queda da União Soviética, de quem Cuba dependia economicamente, Cuba passou por uma crise. O modelo que os inspirara acabava de ruir diante dos olhos do mundo inteiro, e eles afundavam em uma crise econômica. Mesmo assim, a cúpula não quer sair voluntariamente do poder, e continua com sua ideologia falha e seu regime autoritário; Cuba só têm a perder com isso. Para não deixar as pessoas esquecerem que eles estão no “caminho certo”, o regime faz sua propaganda, com base em investimentos ineficientes na área da educação e da saúde (áreas que seriam muito mais desenvolvidas num regime capitalista eficiente); e mesmo com toda a medicina cubana, o médico de Fidel é espanhol.Alguns cubanos estão dispostos a enfrentar uma verdadeira maratona para a liberdade, seja desertando uma competição esportiva em solo estrangeiro (como nos jogos pan-americanos deste ano), seja fazendo o decatlo rumo a Miami. E se o governo põe as mãos nesses “traidores do movimento”, aí eles estão com problemas. Que tipo de progresso é esse, onde as pessoas são coagidas a não sair de um país em ruínas pela força? Ainda assim o regime de Castro sobrevive, agora influenciando a próxima geração de populistas latino-americanos, esta mais hipócrita que a anterior.

Um de seus maiores expoentes é o presidente venezuelano Hugo Chávez. Depois de seguir carreira como oficial do exército, fundou um movimento esquerdista após a sua fracassada tentativa de dar um golpe de estado e foi eleito presidente em 1998. Durante seu mandato suas principais medidas foram para modificar a máquina eleitoral de modo que ele permanecesse no poder por mais tempo. Com todo o tempo do mundo para fazer sua “revolução”, Chávez começou por estatizar os setores básicos da economia, como alimentos e energia. No setor de alimentos criou sua própria grande empresa de alimentos e perecíveis (Mercal), que ele usa para divulgar sua imagem e seus feitos produzidos. A competição desleal desta empresa, que conta com o apoio do estado e das leis, arruinou a classe média venezuelana que tinha pequenos negócios locais, tirando do povo o poder político e agora o econômico atrelando todo o povo venezuelano ao governo. Com a população dependente do governo, Chávez tem total poder sobre as decisões a ser tomadas com respeito à Venezuela, e reforça esse poder com mecanismos legais para ir prolongando indefinidamente sua estadia na presidência.

No setor de energia ele nacionalizou o gás e o petróleo, se apossando de recursos pertencentes ao povo venezuelano (e não ao estado), usando o dinheiro desses recursos para expandir sua influência no mundo financiando a dívida argentina, fazendo doações a minorias nos Estados Unidos, dentre outras “ações humanitárias”, que visam acima de tudo angariar apoio à causa chavista (lhe valendo a alcunha de “cafetão do petróleo”, pelo New York Times). E o pior é que esse investimento é praticamente o único que está dando retorno: alguns “intelectuais” no exterior dão seu apoio ao chavismo e acabam influenciando lá mesmo as novas gerações que ainda estão formando sua opinião, mesmo sem ter idéia do que se passa na Venezuela, fomentando assim, a conivência internacional.

A censura à imprensa é pesada. Chávez criou estatais da imprensa que não têm outra função senão informar às pessoas o que ele quer que elas saibam, e as outras quatro redes de televisão privadas sofrem com regulamentações autoritárias, como a “lei de responsabilidade social”, que é um bonito nome para censura, nua e crua. Quem criticar oficiais venezuelanos pode ser preso por até 40 meses segundo um decreto de 2005. Quando questionado se ele tinha a intenção de usar esse mecanismo contra as críticas da imprensa privada (na qual ele ainda não conseguiu por as mãos), ele disse que não ligava para o que ela dizia, e citou Dom Quixote “Se os cães ladram, é porque estamos trabalhando”. Independentemente da intenção dessa resposta, disso podemos tirar uma boa metáfora: o mesmo Dom Quixote que se jogou contra um moinho pensando que era um gigante é a inspiração para Hugo Chávez que se joga contra a globalização.Como o moinho, a globalização é produtiva e beneficia a todos em uma sociedade. Como Don Quixote, Chávez acredita piamente que está certo em seus devaneios, cego por sua própria vontade. Ele recusa-se a desistir de um modelo econômico e político que já falhou anteriormente em outros lugares. Em outras palavras, está louco como o personagem de Cervantes.Em 2006, Chávez decidiu não renovar a licença de uma das redes de televisão privadas, acusando-a de suportar causas golpistas.A Freedom House, associação internacional que mede o nível de liberdade de imprensa, baixou o nível da Venezuela de parcialmente livre para não livre. Com a imprensa em uma mão e a máquina legislativa em outra, Chávez consolida ainda mais seu poder, planejando reformas que garantam sua reeleição em 2012. O que incomoda mais é que essa revolução bolivariana mal teria sucesso se não fosse pelo petróleo e seus preços em ascensão. Chávez tomou o petróleo e usou-o para financiar suas aventuras políticas e sociais que tornam o povo dependente do estado ao invés de fazer reformas liberais que dêem independência econômica ao povo venezuelano. E ele ainda critica o Brasil na questão dos biocombustíveis, acusando-nos de compactuar com o demônio (Bush, no ideário chavista), uma grande hipocrisia de sua parte, porque ele sabe que os biocombustíveis vão competir com o petróleo, tirando bons dólares da reserva de Chávez e prejudicando sua agenda política.

Outro populista radical na América Latina é o cocaleiro Evo Morales, que usa os hidrocarbonetos da Bolívia como arma política da mesma maneira que Chávez usa o petróleo, o que nos remete à demonstração boliviana de soberania ao usar soldados do exército para expulsar os brasileiros das instalações da Petrobrás que ele nacionalizou. Nacionalizar já é uma quebra de contrato e portanto um ato desrespeitoso, mas usar o exército para intimidar os funcionários pode ser entendido diplomaticamente como um insulto. Morales chegou ao poder liderando o movimento dos cocaleros, que são contra os esforços para a erradicação do plantio da folha de coca, que garantiram o apoio popular. Agora ele é apenas mais um peão de Castro na política latino-americana, juntamente com o presidente do Equador há pouco tempo eleito (certamente com ajuda dos vizinhos vermelhos), Rafael Correa. Castro disse no forum marxista em São Paulo há algum tempo que pretendia reconstruir na América Latina o que foi perdido na Europa Oriental. O que foi perdido lá não faz falta nenhuma; os anos de repressão à liberdade econômica e de expressão são um passado negro da Europa Oriental, e os poloneses, ucranianos, russos, eslavos, dentre outros povos, certamente concordam. É esse tipo de coisa que os espectadores de fora deviam ver antes de dar seu apoio ao primeiro revolucionário que aparecer.

E quanto à ideologia por trás dessas aberrações políticas? Como já foi dito, todas tem origem no comunismo, o que é provado pelo vasto número de partidos comunistas mundo afora. Suas reivindicações costumam seguir a linha marxista original, especialmente em países latinos. Para eles o estado é o melhor instrumento para equilibrar o nível de vida das pessoas, mas eles não enxergam o quão corrupto um estado se torna quando tem em mãos um grande montante de capital; na verdade muitas medidas de equilíbrio de renda são apenas medidas para tornar as pessoas dependentes do governo, como vimos no caso da Venezuela. O estado deveria intervir apenas em casos graves, como cartéis, monopólios e fraudes. Mas para a esquerda latina, vale a máxima de Maquiavel: “Os fins justificam os meios”; o estado tudo pode enquanto as intenções forem boas, ou pelo menos enquanto o povo achar que são.

Tal ideologia acaba unindo vários setores opostos à globalização, como ocorre no Brasil: sindicatos de trabalhadores, movimentos rurais e associações estudantis são usados como ferramentas para avançar a causa esquerdista ao invés de exercerem suas funções originais (defender os direitos de suas respectivas classes). Em épocas de governos de direita, opõem-se às mudanças com medo de perder seus benefícios; em épocas de governos de esquerda, fazem pressão no governo para ganhar mais benefícios. São parasitas que desviam recursos produzidos por todos nós para seus interesses mesquinhos. A esquerda latina não consegue mais encontrar lugar num mundo globalizado, e insiste em manter ideais que arruinaram vários países durante a Guerra Fria. Esta é a hora de a esquerda se modernizar, abandonando esses ideais e se tornando mais pragmática, como lentamente ocorreu na Europa durante o pós-guerra. Se a esquerda não aceitar e se adaptar à globalização, ela simplesmente não vai ter lugar neste século XXI.

quinta-feira, julho 26, 2007

Fundamentalismo Político

“Antes gostávamos de dizer que a direita era estúpida, mas hoje em dia não conheço nada mais estúpido que a esquerda”

José Saramago

É normal, em nossos primeiros dias de contato com o mundo exterior, seja na sala de aula do ensino fundamental, seja andando pelas ruas do centro de São Paulo, ficarmos sabendo da existência de pessoas que vivem em condições de pobreza e falta de oportunidades. Uma de nossas primeiras reações, não que seja esta exclusivamente, é manifestar emoções de pena, de revolta perante o “sistema”, de palavras frias e vazias como “onde está o Governo” ou “por que a sociedade não faz algo para ajudá-las?”.

Existe uma certa classe, se é que assim podemos chamar, (ou grupo, ou “grupelho” como preferem alguns) que possui propostas rápidas e “eficazes” como eles mesmos dizem. São essas: Tirar dos que têm tudo, para dar àqueles que nada têm; Eleger representantes do povo (ou dos operários, incrível como ainda dizem que eles existem) que sendo eles conduzidos ao poder, “girarão” a roda da História e destruirão o sistema carcomido pelo tempo. Ou mais “pragmático”: retirarão a “elite” (ou A ZELITE) dominante do governo, e como o governo tudo pode e tudo faz, num passe de mágica os problemas estarão resolvidos; após a retirada das elites, parar de pagar a “bolsa banqueiro” (essa foi original, uma das poucas coisas que vi que achei engraçado) e com o dinheiro construir casas para os pobres.

Todos conhecemos quem faz essas propostas. São os paladinos da esperança, os defensores dos pobres e oprimidos, aqueles que lutam pelos “direitos” de todos. Bem-vindo ao mundo mágico da Esquerda.

O termo “esquerda” tem uma carga semântica muito diversificada. Passou desde designar aqueles que se sentavam à esquerda no Legislativo francês (Revolução Francesa) a aqueles preocupados com o “desenvolvimento social” e “responsabilidade ambiental”.

A esquerda brasileira é muito burra. Sem perdão da palavra. É burra mesmo. Para desenvolver melhor essa tese (acho que seria constatação) utilizarei alguns exemplos.

03 de maio de 2007. São Paulo. Invasão da reitoria da USP. Motivo: Crescente tentativa do governo estadual paulista de “intervir” e ameaçar a autonomia da universidade.

07/08 de julho de 2007. Eleição de Lúcia Stumpf para a presidência da UNE, com promessas de “radicalizar” o movimento estudantil e criar o Dia Nacional de Invasão das Reitorias.

O que esses “diferentes” assuntos têm em comum? O domínio de uma casta de partidos de esquerda (notadamente PC do B na UNE e PSOL e PSTU na invasão da reitoria) entre o tal de movimento estudantil. Qual o problema disso? Nenhum. É normal em democracias os estudantes terem sua liberdade de escolha para definir seu posicionamento ideológico. Isso se o Brasil fosse uma Democracia. No caso da USP, as reuniões de “movimentos estudantis” atingem cada vez menos pessoas. Será que é por que a pauta e os discursos da reunião são utilizados por representantes desses mesmos partidos citados acima para fazerem divagações ideológicas e discussões como “se o pebolim é um jogo burguês?” Não há estudante não “politizado” que agüente. Como bem diz o ditado “os incomodados que se mudem”, esses estudantes acabam abandonando o movimento estudantil à liderança desses hábeis políticos. A partir daí, eles utilizam o místico movimento estudantil como meio para promoção pessoal. Quem no passado não achava lindo os estudantes unidos para derrubar corruptos como Fernando Collor ou a ditadura militar? É por isso que muitos sociólogos dizem que os novos jovens de classe média, como aqueles que invadiram a reitoria da USP são os novos pobres: de esperança e de boas causas (Frase de José de Souza Martins, professor de Sociologia da FFLCH da USP, em entrevista ao caderno Aliás de O Estado de S. Paulo de 27 de maio de 2007).

Quanto a UNE: Não vemos lá ninguém de direita. Pela sétima vez seguida um candidato filiado ao PC do B é eleito. Alguém sabe o que a UNE faz hoje em dia, além de reclamar da quebra de monopólio das carteirinhas de estudantes que o permitem pagar meia em ônibus e cinemas? (queremos o monopólio, pois são essas contribuições que ajudam a pagar nossos Congressos e viagens, diz Lúcia Stumpf). Alguém em sã consciência pagaria para um bando de “filhinhos de papai” viajar para fazer Congressos úteis para o desenvolvimento da sociedade, como definir se a Reforma Universitária é imposição do FMI ou não?

O resultado da invasão da reitoria: Vários computadores roubados e desorganização geral da reitoria. Resultado da existência da UNE: “puxa-sacos” do governo federal.

Além da promoção pessoal que membros da esquerda procuram hoje, temos a excessiva ideologização dos membros dela. Que atire uma pedra quem nunca ouviu alguém do governo falar que são perseguidos pela imprensa ou a ZELITE tenta algum golpe. Na União Soviética, os Comissários responsáveis, por exemplo, pelas fábricas, arrancavam os cabelos e falavam em sabotagens da burguesia, quando descobriam que as fábricas não produziam o necessário. “Como pode se eu pessoalmente conferi tudo, os trabalhadores tem a moral alta e acima de tudo, a ideologia está correta?” Era uma das frases mais comuns daquele tempo. (para quem não acredita leia: Stálin, a corte do Czar vermelho, de Simon Sebag Montefiore, editora Companhia das Letras) Não me impressiona se os “comissários” da Anac ou do governo federal digam o mesmo sobre a Crise Aérea.

A ideologização se faz presente na diplomacia também. O exemplo mais explícito disso é o convite à Chávez, o ditador carismático do momento, para ingressar no Mercosul. “A União Européia também aceita países com economias fracas para que possam ter a chance de se desenvolver conjuntamente” Celso Amorim. Alguém esqueceu de avisá-lo que o estatuto da União Européia diz claramente que o país precisa ter liberdade de expressão, de imprensa, democracia, e reformas liberais para ingressar. O Mercosul também, só que “alguém” se esqueceu disso. Como pode uma pessoa em sã consciência convidar um doido que xinga metade do mundo (inclusive o Brasil) e alia-se ao Irã para o Mercosul? A ideologia faz milagres mesmo. O fundamentalismo também, vide o islâmico de hoje.

Outro exemplo da influência da ideologia é a divinização de Cuba e de seu ditador, Fidel Castro. A esquerda se especializou em eleger mártires e ídolos, que ao imporem seu ponto de vista ou trucidar instituições democráticas a esquerda simplesmente fecha os olhos e aprova como ação “social” pelo bem do povo. Quantas pessoas dizem que a ilha de Fidel é um paraíso? Mas não precisaremos ir muito longe para obter as respostas. Basta ir a São Caetano do Sul e perguntar ao “traidor” cubano como ele se sente. Se ele veio pedir asilo ao BRASIL, muito provavelmente Cuba não seja tão boa assim.

Ideologia, culto, bíblia (O Capital) e recrutamento de jovens (nesse caso das Universidades). A esquerda não difere muito do fundamentalismo religioso. Terroristas ambos têm. Algo de bom na cabeça, nenhum deles.

terça-feira, julho 03, 2007

Subdesenvolvimento: uma teoria

Retornamos!

Por diversos motivos (alguns deles não tão nobres) ficamos afastados do blog por algum tempo. No entanto, agora que já dedicamos a pequena parcela de tempo anual necessária para manter nosso Estado funcionando de maneira impecável - como, aliás, sempre funcionou, coisa que todo brasileiro sabe! - vamos voltar a publicar textos.

Sinceramente,

-Carta Liberal



A procura por motivos para o baixo nível de desenvolvimento de várias sociedades do planeta movimenta um número incrível de intelectuais. Eles se dividiram em grupos, cada um deles com uma “grande teoria” geral para explicar o fato de certas regiões apresentarem uma economia mais produtiva, uma expectativa de vida mais alta, uma população que desfruta de uma vida mais confortável.

Defender ou criticar uma ou mais dessas “escolas” não é o objetivo aqui.

A grande maioria dos fatores relevantes para o nível de “desenvolvimento” de uma sociedade está nessa própria sociedade, isto é, são as próprias pessoas que constroem a “fundação” sobre a qual viverão. Sua atividade produtiva cria o que o grupo de pessoas em questão usará. Por definição, a atividade de um indivíduo dentro da referida sociedade interessa a alguém: ou ele mesmo, ou outras pessoas.

Nos primórdios, acredita-se que cada pessoa – ou, pelo menos, cada tribo – era subsistente: retiravam eles mesmos da natureza tudo o que era necessário ou agradável. À medida que a civilização prosperava, os indivíduos começaram a se especializar e realizar trocas. Assim, a quantidade de bens necessários à subsistência aumentou, e muitos puderam se especializar em outras atividades que não estavam diretamente relacionadas à produção de necessidades básicas.

Esse é um momento interessante na história da civilização: a hora em que os produtores passaram a sustentar “acessórios” à sua atividade. Note que essa é uma visão diferente da que boa parte dos membros das sociedades modernas adotam: na atualidade, muitos dos que fazem parte diretamente do processo produtivo são vistos como indivíduos de “segunda classe”. No entanto, eles sempre serão necessários, e por isso são aqui considerados como “primários”.
A civilização continuou a se tornar mais complexa com o passar do tempo, e as atividades se diversificaram. Muitas delas foram se distanciando da produção primária até se tornarem praticamente alheias a esta. Como maior exemplo temos os intelectuais: indivíduos que se dedicam à reflexão e ao debate em torno de temas freqüentemente muito distantes do “mundo real”.


Este é o ponto ao qual queríamos chegar. Como dissemos, tudo o que uma sociedade produz, obviamente, deve ser fruto do esforço de algum(ns) membro(s) dessa sociedade – sendo que esses frutos não são necessariamente palpáveis. A valorização de uma atividade, portanto, é crucial para que o produto dela seja mais abundante e de maior qualidade.
Através da história, a cultura humana passou por um processo de diferenciação de tirar o fôlego, com a formação de uma míriade de formas de pensar. Algumas delas valorizavam o valor do guerreiro; outras, o refino intelectual; e outras, a produtividade. Que fique claro: cada indivíduo tem sua própria forma de pensar, que de maneira alguma está acorrentada à dos demais que o rodeiam, e que pode variar de muito mais maneiras do que simplesmente qual aspecto da vida ela mais valoriza.

No entanto, via de regra, podemos assumir que uma sociedade tem uma cultura relativamente homogênea. Com o surgimento do Estado, aqueles com maior influência passaram a ter poder – pela força – sobre os outros, freqüentemente acompanhado de uma justificativa, e passaram a artificialmente manipular a alocação de recursos da forma que mais agradasse o grupo. É notável como os produtores foram capazes de sustentar sociedades onde grande parte dos indivíduos se dedicava a atividades secundárias.

Tomando como exemplo Portugal, a sociedade que em grande parte deu origem à nossa, observamos uma fortíssima tendência à valorização da jurisprudência, da política, da escrita, etc., e aqueles que “punham a mão na massa” eram geralmente vistos como indivíduos de pouco valor. Apesar de isso ser regra em grande parte das sociedades, e tem sido há um bom tempo, a portuguesa em particular mostra uma forte tendência da nata da sociedade para atividades mais intelectualizadas.

Entre os personagens notáveis da História portuguesa, ouvimos falar de pouquíssimos empreendedores, engenheiros, inventores e etc. E enqüanto muitos consideram outras culturas hoje mais desenvolvidas como sendo intelectualmente pobres em relação à portuguesa há alguns séculos, os indivíduos notáveis daquelas sociedades estavam com sua atenção voltada à exploração, ao comércio, à expansão da atividade produtiva; e mesmo muitos dos intelectuais delas ganhavam seu pão de uma maneira bastante pragmática.

Essa tendência se acentua fortemente ao chegarmos ao século XIX: enquanto no Norte hoje desenvolvido a sociedade industrial explodia com novas idéias, a ciência caminhava a passos largos, e a qualidade de vida aumentava entre os setores menos avantajados, nos países latinos em grande parte se verifica uma persistência no modelo do intelectual glorioso: todos os indivíduos que se prezavam eram escritores, “homens públicos”, juízes afamados, escreviam artigos sofisticados em jornais. Não por acaso, as sociedades que seguiram este último modelo parecem ter perdido o trem da História.

Na África, vários povos pertencem a uma cultura de valorização do guerreiro; muitos indivíduos se especializam em participar de conflitos. Apesar de ter sido assim por eras, as sociedades hoje consideradas mais evoluídas arregalam os olhos quando tomam consciência dos horrores que a população daquele continente atravessa – horrores muitas vezes criados pelos próprios povos e líderes da região.

É comum culpar o imperialismo europeu pelo estado deplorável da África atual, mas devemos lembrar que a fragmentação européia da África, quando muito, apenas piorou o quadro: os africanos são guerreiros por sua cultura, e os clãs africanos têm Um grande objetivo: subjugar seus oponentes. Apesar de serem militarmente fracos devido às características da guerra moderna, em que tecnologia e tática contam muito mais do que ferocidade e astúcia, muitos africanos se tornaram grandes guerreiros, que seriam respeitados e temidos, por exemplo, na Europa medieval. Isso porque o status de guerreiro garante prestígio na sociedade africana.

Tudo isso não significa, de maneira alguma, que intelectuais e guerreiros são seres inúteis que devem ser desprezados por aqueles que realmente fazem parte do processo produtivo. Como foi dito, os indivíduos que são acessórios ao processo produtivo primário estão realizando suas atividades porque alguém as valoriza. Um ator, um historiador, um crítico literário realizam seu trabalho porque ele interessa a alguém. A questão que se levanta é: a quem?

Muitos políticos, imbuídos como estão com o poder de direcionar boa parte dos recursos da sociedade para onde bem entenderem, os direcionam para setores que, sem a ajuda estatal, simplesmente não existiriam ou não teriam o tamanho que têm. Apesar de o Estado ser – e isso não é unânime – necessário para redirecionar recursos para certos fins públicos importantes, é preciso ter em mente que o papel do Estado não é dirigir a sociedade para onde achar melhor através da redistribuição forçada de recursos, mas sim criar condições para que cada indivíduo possa realizar a atividade que ele julgar adequada, sem prejudicar a liberdade alheia.

Lembremos também que, se 100% dos indivíduos desejam ser historiadores, nem todos eles poderão sê-lo: afinal de contas, também é necessário comer, vestir, construir, se divertir. O fator que define a alocação de indivíduos em determinada atividade não deve ser a vontade do próprio indivíduo, mas sim a procura que existe por alguém que realize tal atividade. Em outr
as palavras, seria ótimo se cada um de nós pudesse ser o que bem entendesse, mas, ainda pior do que ser algo que não se deseja é forçar alguém a trabalhar por algo que não deseja.

Quando o Estado realoca recursos arbitrariamente, existe uma grande chance de ele estar destruindo a ordem natural e desejável das relações voluntárias que existe entre as várias atividades de uma sociedade. Essa redistribuição através da coerção, quando generalizada, indica que grande parte da riqueza gerada por uma sociedade está sendo canalizada para fins que muito provavelmente não gerarão riqueza, pois de outra forma não necessitariam dessa intervenção arbitrária.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

O Trabalho na Era Pós-Industrial

Provavelmente uma das mais antigas invenções do homem, o trabalho foi o principal pilar da construção de nossa civilização. Para ele, diversos estudos e definições foram criados para compreendê-lo melhor. Mas será que são válidas para o moderno trabalho? E o papel das máquinas? O homem ficará relegado ao trabalho intelectual?


O trabalho surgiu fruto da razão humana. O fato de estarem organizados em sociedades e para extrair dessa organização uma vida melhor certamente contribuiu para a criação da divisão e da racionalização do trabalho. Civilizações passaram a crescer e serem organizadas conforme o valor dado ao trabalho. Na Grécia Antiga, o trabalho braçal era visto como algo nocivo ao corpo e à mente pela elite, esse feito exclusivamente pelos escravos e camponeses. Restava a ela o trabalho intelectual. Na Idade Média, toda forma de trabalho era nociva para a nobreza e a realeza, essa também organizada numa sociedade estamental, em que o trabalho era obrigação do Terceiro Estado.

O valor do trabalho, portanto, variou de cultura para cultura, de civilização para civilização. E hoje? Graças ao desenvolvimento das sociedades capitalistas e do valor da riqueza para nós, o trabalho, qualquer um, seja intelectual ou braçal, é visto como enobrecedor e produtor de riqueza.

E quanto à organização do trabalho nas sociedades capitalistas? Para isso temos diversos pontos de vista, sendo o mais conhecido o marxista. O trabalho vem sofrendo profundas modificações desde a Revolução Industrial, e acreditamos que a ótica marxista não explica muitas delas, especialmente a especialização do trabalhador nem a substituição do trabalho por máquinas. Vamos então a análise da organização do trabalho.

Segundo muitos sociólogos, as sociedades humanas passam ou passaram por três tipos de organização: A sociedade pré-industrial, a industrial e a pós-industrial, e o trabalho presente era diferente. Na primeira não existia muitos instrumentos de ajuda no trabalho, ou de substituição do trabalhador. Na segunda começam a aparecer, como dito e repetido pela ótica marxista. O que nos importa é a Sociedade Pós-Industrial. Aqui, o trabalho braçal, aquele do operário, praticamente inexiste. A máquina o substituiu, e muito bem.

Segundo Domenico de Masi, a Era Pós-Industrial se caracterizará pelo chamado “Ócio Criativo”. Como a sociedade não é mais organizada em um modelo fabril estritamente, o que importa é a inovação. Sendo assim, as empresas se organizarão segundo uma nova lógica: O trabalhador deve ser bem tratado e ter uma excelente formação, de modo que possa inovar. Estará com os dias contados a burocracia, uma trava para o desenvolvimento de novas tecnologias. Esse ócio criativo será então um tempo livre do trabalhador, sem as pressões da burocracia, para criar. Já estamos observando essa nova fase: os trabalhadores do Vale do Silício, onde a missão é inovar, trabalham segundo essa rotina. As empresas de lá, como exemplo o Google e a Microsoft, criaram rotinas para eles de modo que possam se sentir em casa, livres. Mais especificamente o Google, que permite o uso de algumas horas da jornada de trabalho para criar um projeto só seu. Foi desse modo que surgiu o Orkut, criado pela pessoa de mesmo nome.

Outros exemplos de novas tecnologias criadas: o iPod, da Apple. O conceito de ouvir música portátil já existia, mas a Apple inovou. Criou um aparelho de design e ferramentas revolucionárias: é possível ver filmes na telinha desse aparelho.

Mais recentemente temos o iPhone, da mesma empresa: este aparelho é um telefone celular, com acesso à internet e música digital. Sua tela é sensível a toques, e tem a mesma possibilidade de “arrastar” ícones e imagens como um mouse em um computador faz.

Para as sociedades pré-industriais, ou mesmo industriais, Domenico de Masi explica a receita: invistam em educação, para formar um capital humano inovador, e principalmente: deixem o capitalismo trabalhar.

domingo, dezembro 24, 2006

Os Limites da Democracia

“Se os pobres votassem para que os bens dos ricos fossem distribuídos entre eles, não seria isso uma injustiça?” Aristóteles

O que é democracia? Um sistema onde as decisões tomadas pelo governo têm que passar pela aprovação da maioria da sociedade. Isso é, pelo menos em princípio. Na democracia clássica, aquela praticada em Atenas na Grécia antiga, todos os cidadãos têm direito a voto direto nas decisões tomadas pelo Estado; a democracia moderna se aproxima mais de uma república, onde a sociedade expressa seus interesses através de representantes eleitos.

O sistema democrático, especialmente o representativo, tem falhas inerentes a ele próprio, tanto quanto o ser humano tem falhas – trata-se de algo natural. Muitas ditaduras usaram o argumento de que uma democracia “não tem o poder de agir decisivamente” para ganhar o apoio do povo em momentos de necessidade. Na verdade, a democracia, ao dar a todos ao menos uma possibilidade de ação, tende a contrabalançar essas falhas naturais, onde uma ditadura tende a realçá-las, pois não há ninguém para se opor.

Assumimos hoje que a democracia é a melhor forma de governo que já foi testada. Até este ponto, as únicas pessoas que se irritaram ao ler este artigo foram aquelas que defendem um governo forte para “dar rumo” à sociedade. Mas não se aflijam – o objetivo aqui não é defender a democracia, mas discutir a frágil relação entre o poder popular e a liberdade individual.

É amplamente considerado, hoje em dia, que o fato de eleger um representante para atender aos interesses de um grupo é algo legítimo. Por exemplo: um grupo de cidadãos de uma cidade concordam em apoiar a candidatura de determinado vereador, sabendo que, se eleito, esse vereador vai fazer com que a máquina do Estado penda para o lado daquele grupo, através de leis. Esse é, sem dúvida, o princípio fundamental da democracia. Mas será que é só isso?

Como já foi lembrado muitas vezes anteriormente, o Estado não é uma entidade auto-suficiente – ela funciona com recursos tirados na marra daqueles que trabalham gerando riquezas. Esses trabalhadores, empresários etc. pagam tanto quanto qualquer outro, mas pode ser que não tenham número ou organização suficiente para eleger um representante seu. Como fica então? Será que, por ter maior poder político, aquele grupo que se organizou pode usar os recursos tirados de todos para fins que lhes dêem vantagem? Será que é justo que eles usem o Estado para interferir nas liberdades do segundo grupo?

É aí que se encontra o dilema da democracia em uma sociedade livre – respeitar os direitos de todos, e ao mesmo tempo garantir que os governantes passem por uma substituição periódica, mantendo-os subordinados à vontade da população. Como evitar que grupos de interesse monopolizem o governo, prejudicando outros em favor próprio? A única solução para esse problema, que não passe pela anarquia, é a solidez das instituições: em qualquer constituição deve estar bem especificado o papel do Estado e dos representantes eleitos. O respeito a essas regras deve ser dever de todos, e as violações punidas exemplarmente.

A Constituição brasileira, elogiada pela imensa maioria dos acadêmicos e políticos brasileiros, é um autêntico livro de terror para um liberal, pois atribui ao Estado um número enorme de responsabilidades “politicamente corretas” bastante genéricas, e que dão amplo espaço para distribuição desigual de impostos da maneira que mais agradar aos representantes.

Portanto, como se não bastassem os problemas inerentes à democracia representativa, entre os quais se destacam a corrupção e o uso de poder em benefício próprio, a própria estrutura do sistema de governo democrático-representativo brasileiro dá margem para que os representantes usem o dinheiro público como eles – ou suas bases de apoio – bem entenderem.
A maior necessidade do Brasil neste momento é uma profunda reforma estrutural, que dê mais espaço para o indivíduo exercer seus direitos e menos poder ao Estado e seus agentes para decidir os rumos da vida nacional. Novamente, devemos lembrar que os nossos governantes são empregados e não patrões – eles foram eleitos por um certo grupo de cidadãos, mas são subordinados à toda a sociedade, e portanto devem servir a ela como um todo. Afinal, como dizia um tal de James Bovard: “Democracia deve ser alguma coisa mais do que dois lobos e um cordeiro votando o que comer no jantar.”

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Os Erros do Gigante













Reconstrução em computação gráfica de um galeão chinês presente na expedição de Zheng He do século XV. Esse modelo podia levar cerca de mil tripulantes.


A China hoje é um dos países que mais crescem economicamente, não somente em números como também têm-se verificado grande melhora na qualidade de vida da população e na escolaridade das pessoas. Quarenta anos atrás, a China vivia num regime de economia fechada e planificada, totalmente controlada pelo Estado e arruinada por crescente militarização. Hoje, a liberdade econômica é um dos principais princípios de sustentação da economia chinesa, e o governo chega a admitir a existência de propriedade privada na Constituição. Como se deram tais mudanças? Para entendermos melhor a mentalidade do povo chinês temos que nos aprofundar mais em sua história e sua cultura.

Na história do mundo, a China é uma das nações unificadas mais antigas da Terra, com uma cultura cuja longevidade se estendeu a outras nações e sempre foi guia para as decisões que essa civilização tomou. Os chineses foram unificados pela primeira vez sob a dinastia Qin, que oficializou a escrita chinesa e de um modo geral a cultura, mas mesmo antes disso as dinastias anteriores acreditavam na vontade dos deuses como legitimadores do mandato do Imperador, na cultura deles o filho dos céus. Se algo dava errado com a dinastia, se o povo passasse necessidades, se o Imperador explorasse a população com trabalho extra e taxas absurdas, revoltas aconteciam, e essas dificuldades eram tidas como sinais de que os céus desaprovam este Imperador. Deste modo, caíram muitas dinastias, os Qin dentre elas, graças ao seu autoritarismo.

Períodos prósperos se sucederam, sob a dinastia Han que se caracterizou por fatores como a dinamização da economia (com a abertura da Rota da Seda, que ia até Roma), a abertura cultural e como a criação de um funcionalismo público eficiente, com testes para admissão que incentivavam a competitividade nesse povo. Essas reformas e as influências culturais estabeleceram as bases definitivas da cultura e da sociedade chinesas, que prevalecem até hoje (tanto é que a etnia “chinês” é chamada de “Han”). Nas dinastias Tang e Sung a China era uma das maiores potências do mundo, com a maior população da Terra e com cada vez mais inovações tecnológicas. Depois dos Sung, porém, houve uma grande invasão mongol e o estabelecimento da dinastia Yuan, que durou algum tempo, e depois a dinastia Ming.

E é aqui o ponto em que a China muda de mentalidade drasticamente. Nesta dinastia a tendência de reviver os valores Han foi presenciada, porém uma parte da elite se tornou conservadora e fechada, enquanto outra continuava com ideais de abertura econômica e cultural da China para o mundo. As expedições de Zheng He pelo Oceano Índico datam deste período, viagens nas quais foram estabelecidos laços políticos e econômicos com regiões da África Oriental, Índia e Oriente Médio. Supostamente esta expedição teria chegado ao Cabo da Boa Esperança e às Américas, como alega uma popular (porém controversa) teoria atual. O caso é que eventualmente eles acabariam fazendo isso, pois a China tinha todas as condições para tal, apesar de ter intenções diferentes. Os navios chineses eram gigantescos, capazes de carregar centenas de soldados, com suas armas e cavalos. A China era um gigante auto-suficiente, sem necessidade de expandir, mas com o desejo de fazê-lo por interesses políticos, de estabelecer vínculos tributários e marcar a dominância do Império Chinês na região. E porque tais viagens não continuaram?

O importante aqui não são as viagens, mas o processo que envolveu seu fim decretado. Na China uma intriga entre elites surgiu, e as elites conservadoras confucionistas venceram as elites religiosas liberais. Na metade do séc. XV toda a grande marinha chinesa foi decomissionada, e toda a construção de navios para navegação marítima foi cancelada, declinando também a indústria de ferro. No final do século, os súditos do Império foram proibidos de construir navios ou deixar o país. O comércio se revitalizou quando a prata substituiu o papel-moeda. Historiadores alegam que essa renovação se transformou em estagnação, e que a ciência e a filosofia foram travadas em uma rede apertada de tradições que frustravam toda a tentativa em algo novo. Aqui começa o calvário chinês.

Por séculos que se seguiram, a China fechou-se ao mundo, agora sob a dinastia manchu, os Qing. Eles foram estritamente tradicionais e não mais se expandiram comercialmente pelo mar, somente à força militar em terra, notadamente na Ásia Central. E tudo isso enquanto chegavam os europeus pelo mar e atrelavam os mercados asiáticos e africanos às suas metrópoles. A China poderia ter competido com os europeus, firmando-se como potência marítima e regional, mas não o fez e ficou atrasada. Um episódio interessante de se mencionar para ressaltar o fechamento chinês trata de uma visita diplomática inglesa à Beijing, que trouxe dentre os presentes o que havia de mais avançado tecnologicamente na Inglaterra da época (que já entrava na Revolução Industrial). Os chineses despacharam um embaixador à Londres, que afirmou que os chineses não foram impressionados pelos presentes ingleses, e que a Inglaterra estava livre para pagar homenagem e tributo ao Imperador. Londres nunca mais tentou uma aproximação diplomática com os Qing.

O que se segue, é claro para todos. O eventual esgotamento dos mercados mundo afora que leva os europeus (obviamente não isentos de qualquer parte da culpa) a infiltrar seus produtos na China. E como a China era praticamente auto-suficiente e ao mesmo tempo soberana, os produtos europeus não podiam entrar no país (mesmo que fossem de melhor qualidade e proporcionassem uma competição construtiva). Os ingleses venderam ópio, e até guerrearam por este mercado. Nesta guerra os chineses foram derrotados, seu ego foi duramente golpeado e a população tomou consciência da incompetência do governo Qing em modernizar o país. Revoltas aparecem em toda a China, enquanto os europeus começam a abrir caminhos à força de armas para atingir o mercado chinês. Tantas insurgências e tumultos levarão, no século XX, à derrubada da monarquia, seguindo-se a isso o estabelecimento do partido nacionalista chinês como único legalizado pela República da China e posteriormente o estabelecimento da República Popular da China, na China continental, liderada por comunistas.

Claro, os europeus estavam errados como qualquer entidade política que declara guerra e destrói vidas. Mas mais errados estavam os governantes Qing, que não se preocupavam com a soberania chinesa e com o aumento do poderio ocidental. Já no início da Era dos Descobrimentos a China podia ter se tornado um poder marítimo regional e poderia negociar em pé de igualdade com as civilizações ocidentais, adaptando o que ela quisesse sem precisar ter de ceder muito às nações européias. E o que os Qing deviam ter feito era não se contentar com o medíocre, mas ir buscar além. Eles se colocaram numa posição confortável, acreditando que a China era soberana por direito divino, se apegando às tradições e falharam em perceber que o mundo à sua volta mudava, e se perceberam, falharam em fazer a China acompanhar as mudanças. A China podia estar como potência na região, e, no entanto, foi explorada.

A função do poder militar e político não é tornar o país forte o suficiente para derrotar os outros ou algo do tipo, ao contrário do pensamento de muitos. A função desses poderes é assegurar a soberania do país, defender os interesses de sua população e a integridade da mesma. Custe o que custar. A posição cômoda dos Qing, arrogante quando precisava ser humilde, passiva quando precisava agir, indiferente quando o poder público precisava-se fazer presente causou a derrocada da China.

E atualmente? Nos anos seguintes à morte de Mao Zedong, reformas liberais foram feitas para reestruturar a economia chinesa e atrair investimentos. Os chineses conseguiram, depois disso, transformar o poder econômico em político de modo que sua soberania fosse garantida e que ela pudesse novamente negociar em pé de igualdade com os outros países. Com a China podemos aprender que um país deve se impor, e nunca se alienar do mundo, pois este nunca pára de evoluir e quando um país não evolui com o mundo, está sujeito a perder participação nas decisões de âmbito mundial que afetam o povo desse país.