domingo, setembro 23, 2007

O Brasil e a escolha

Bem diz o ditador popular, “a liberdade de alguém termina onde começa a do outro”. Sem dúvida uma afirmação difícil de negar sob um ponto de vista de respeito à liberdade de cada um. O Brasil, ao longo de sua história, tem se mostrado até certo ponto uma sociedade mais tolerante em relação à vontade dos indivíduos do que muitas outras. Até mesmo durante os períodos mais negros de nossa história houve algum espaço, mesmo que limitado, aos vais e vens de cada um.

No entanto, será que a crença dos brasileiros em sua própria “brasilidade” é bem fundamentada? Lembramos inúmeras vezes aqui que a cultura, não só brasileira, mas latino-americana em geral, é baseada no patrimonialismo estatista, camuflado atualmente por um ódio ao lucro e preocupação com o “público”. Na prática, o Estado é tão importante para os brasileiros porque todos podem imaginar um jeito de tirar vantagem dele. Uma mera fofoca acaba, com uma freqüência alarmante, em uma sugestão de como o governo deveria interferir no alvo da conversa para endireitá-lo – segundo, é claro, a visão daqueles que conversam.

A responsabilidade do Estado na mente dos brasileiros é tamanha que qualquer desgraça, coletiva ou pessoal, se transforma em uma falha do governo. Paralelamente, boa parte do tempo de funcionários do Estado é gasto atribuindo culpa a outras pessoas, outros departamentos, outras instituições. Visto como a única estrutura supostamente incorrupta, a responsabilidade de trazer perfeição e justiça ao dia-a-dia torna-se uma responsabilidade do Estado. Irônica – e até tragicamente – o Estado assumiu a responsabilidade de prover fundos até mesmo para Organizações Não-Governamentais. O acúmulo de poder e responsabilidades nas mãos desse Leviatã estatal tem trazido mais ineficiência, injustiça e imperfeição do que o contrário.

E enquanto isso, a imensa maioria da população continua vendo o problema – pois parece óbvio que há um problema, muito profundo, na sociedade brasileira – como algo intrinsecamente ligado às pessoas responsáveis pelo funcionamento do Estado. Na visão de muitos, não há um problema estrutural, institucional – mas sim má vontade daqueles: os políticos precisam parar de roubar, os burocratas precisam trabalhar mais, os impostos precisam ser melhor distribuídos... É desconfortavelmente raro ouvir alguém citar a necessidade urgente de reformas estruturais, e alarmante a dificuldade que muitos apresentam em ao menos compreender essa argumentação liberal. O Estado onipresente está tão incrustado nos brasileiros que uma grande parte deles parece apresentar uma resistência quase biológica à idéia de viver sem a tutela daquele.

Os brasileiros, que em muitos casos se orgulham de serem mais “maleáveis” do que os estrangeiros, precisam levar esse aspecto mais a sério: muito da responsabilidade de construir uma sociedade melhor repousa não sobre os ombros do Deus Estado, mas sobre os de indivíduos comuns. Liberdade de escolha e estatismo são duas coisas que não combinam, e todos nós podemos ver ao que isso leva: à “malandragem” tão típica do país, à liberdade sem responsabilidade. As regras devem ser poucas e claras, dizerem respeito apenas às relações inter-individuais, e valerem para todos, sem exceção, as infrações sendo punidas exemplarmente pelo Estado e pela sociedade.

Qualquer liberal reconhece a quantidade intimidadora de esforço que precisa ser empregado para consertar esse aspecto da cultura brasileira. Definitivamente, a solução não é alcançar o poder e promover uma mudança radical nas leis: como sabemos, a idéia de que canetadas resolvem problemas com perfeição felizmente não faz parte da doutrina liberal. O processo, se vier a ocorrer, será gradual e deverá se espalhar pela sociedade não como uma nova lei entre a míriade de absurdos que é nosso Código Legal, mas como um estado de espírito. Precisamos todos ter em mente que a soberania reside nos cidadãos, e não no Estado.

Apenas quando o brasileiro médio visualizar a sociedade não como uma entidade viva representada por um corpo palpável, mas como um meio de interação entre milhões de indivíduos que interagem uns com os outros voluntariamente seguindo regras e costumes, é que teremos certeza de que estamos no caminho certo.